Mulheres se mobilizam contra o avanço do Estatuto do Nascituro

domingo, 9 de junho de 2013

Comissão de Finanças deveria decidir sobre previsão orçamentária de recursos para o Estatuto do Nascituro e votou sobre mérito de ser contra ou a favor da vida.

Rachel Duarte


Mulheres se mobilizam em todo território nacional contra o avanço do Estatuto do Nascituro, aprovado nesta quarta-feira (05), na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara Federal. Após a votação do PL 478/07, que impede o aborto até em casos de gravidez corrente de violência sexual, um abaixo-assinado na internet coletou milhares de assinaturas. No próximo final de semana, reuniões de coletivos feministas e atos de protestos nas ruas deverão ocorrer em São Paulo e Porto Alegre. Em nota, o Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres, composto por ativistas e representantes do governo federal, manifestou repúdio à proposta.

A conselheira dos Direitos das Mulheres, Lúcia Rincon, considera a proposta ‘indecorosa’, uma vez que representa um retrocesso em termos de garantias aos direitos reprodutivos das mulheres. "Este texto submete as mulheres à nova situação de violência, ignorando o poder de decisão delas ao seu próprio corpo. É uma aberração legitimar a violência impetrada às mulheres, naturalizando o crime de estupro e submetendo a mulher a conviver com o agressor, que deverá reconhecer a paternidade do filho", fala.

A proposta de lei, criada em 2007 pelos então deputados Miguel Martini (PHS-MG) e Luiz Bassuma (PT-BA), para estabelecer os direitos dos embriões (chamados nascituros), baseado na crença de que a vida tem início desde a concepção, ou seja, desde que o óvulo é fecundado no útero. Na época, a proposta gerou críticas por parte do segmento feminista do Partido dos Trabalhadores e a conseqüente saída de Luiz Bassuma do partido. Atualmente filiado ao Partido Verde, o ex-deputado não exerce mandato eletivo.

Uma das principais consequências da aprovação do Estatuto do Nascituro é, na visão da conselheira Lúcia Rincon, é contrariar o ordenamento jurídico vigente ao atribuir direitos fundamentais ao embrião, mesmo que ainda não esteja em gestação, partindo de uma concepção equivocada de que o nascituro e o embrião humanos teriam o mesmo status jurídico e moral de pessoas nascidas e vivas. "Quando este projeto coloca a concepção de nascituro desde que a concepção, que se faz ‘in vitro’ e depois garante ‘in vitro’ direitos de pessoas humanas legislando sobre proibições do que se fazer com este embrião, impede inclusive o avanço da ciência por meio das células-tronco embrionárias, que trazem inúmeros benefícios para a saúde humana", explica.

Uma mulher morre por dia no Brasil vítima de abortos inseguros

O projeto também viola claramente os Direitos Humanos e reprodutivos das mulheres, na medida em que a Constituição Federal e a lei penal vigente não punem o aborto realizado em casos de risco de vida e de estupro. O Estatuto do Nascituro ignora, na visão da secretária executiva da Rede Feminista de Saúde, Télia Negrão, a relação de causa e efeito entre a ilegalidade do aborto no Brasil, que gera altos índices de abortos inseguros, altas taxas de morbidade e mortalidade materna e põe em risco a saúde física e mental, e mesmo a vida, das mulheres.
 
"Abortos inseguros são a quarta causa de morte materna no país. Morrem 300 mulheres por ano no Brasil por conta disso. O que equivale a uma mulher por dia. No entanto, além de mortes, temos problemas causados por sequelas. Em média, o SUS realiza 250 mil procedimentos anuais para deter os efeitos de um aborto iniciado pelas mulheres", diz.

Segundo Télia Negrão, que é membro do conselho diretor da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe, o Ministério da Saúde reconhece que 1 milhão de abortos são realizados por ano no Brasil, independente das legislações disporem apenas que a prática só pode ser realizada em caso de risco de saúde materna ou violência sexual. Com o cerco às clínicas que realizam de forma clandestina a interrupção da gravidez, o medicamento ‘misoprostol’ é o método mais comum para abortamento. "É de uso hospitalar e tem proibido nas farmácias. Mas, se criou um comércio paralelo que vende medicamentos adulterados ou à base de farinha. Além de gastarem até um salário mínimo para adquirir a dose necessária para o abortamento, as mulheres podem ter complicações", afirma.
 
Frente ao desejo de interromper a gravidez, Télia conta que as mulheres, principalmente das camadas mais pobres da sociedade, se violentam das mais variadas formas. "Se agridem, ingerem venenos ou furam o colo do útero com instrumentos diversos", relata.

Apesar de a votação na Comissão de Finanças e Tributação não tratar diretamente do mérito da proposta, o Estatuto do Nascituro avançou de forma estratégica. A pauta foi apreciada no mesmo dia da realização da 6ª Marcha Nacional pela Vida e Contra o Aborto, que reuniu 5 mil pessoas em frente ao Congresso Nacional com a participação do pastor e presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado federal Marcos Feliciano (PSC – SP). Durante a sessão, o relator da proposta na comissão, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), líder do partido na Casa, levou o debate para uma questão de moral e ética em favor ou contra a vida.

‘Bolsa-estupro’ criminaliza vítimas de violência sexual

A previsão de uma ‘bolsa estupro’ para vítimas de abuso sexual criar filhos em que os agressores reconhecerem a paternidade foi considerado algo absurdo e inconstitucional pelo Conselho Nacional de Direitos das Mulheres, uma vez que extrapola as funções do parlamento deliberar sobre previsão orçamentária para outro poder. "Não há um momento oportuno para este tipo de atitude. Numa democracia as forças políticas vão se colocando e as ideologias disputando espaços. Foi isso que ocorreu mais uma vez. Estamos enfrentando esta propositura de atraso que eu espero que ainda seja derrotada no Congresso", disse a conselheira Lúcia Rincon.

Para pressionar a bancada aliada ao governo federal a impedir o avanço do Estatuto do Nascituro e alertar a sociedade sobre os riscos do projeto às mulheres, movimentos sociais organizaram atos de protesto em São Paulo e Porto Alegre, no próximo dia 15 de junho. De acordo com a representante da Marcha Mundial de Mulheres no Rio Grande do Sul, Cláudia Prates, o deputado federal Eduardo Cunha já pediu a relatoria do texto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), próxima etapa da tramitação do PL. "Nós iremos perder sempre se o debate girar em torno da laicidade e da moral religiosa. Não é isso que defendemos. Penso que a presidência do Marco Feliciano contribui muito para este projeto sair da gaveta nas últimas semanas, sem percebermos", conta.

Se o texto for aprovado em todas as instâncias da Câmara e do Senado Federal, o movimento feminista planeja pressionar o governo federal. "Já estamos mobilizando um ‘Veta Dilma’ para impedir este retrocesso se o projeto prosperar. O agravante é que estamos em ano de véspera de eleição, o que pode nos prejudicar", fala. Porém, devido ao reflexo positivo das últimas edições das Marchas das Vadias, Cláudia prevê uma unidade na luta contra o Estatuto do Nascituro. "Estamos unidas. Por isso, vamos para a rua de novo. A nossa luta É pelo nosso corpo e nossa autonomia", salienta.

"Direitos das mulheres são trocados por votos em projetos prioritários", acusa ativista

Para Télia Negrão, o Brasil não vive um momento tão otimista para o avanço dos direitos reprodutivos das mulheres. "Estamos assistindo a um verdadeiro ataque à possibilidade do Brasil responder aos compromissos internacionais de tratados de direitos humanos que reduzem obstáculos para garantia dos direitos reprodutivos das mulheres e os abortos inseguros. O Brasil é signatário do Comitê de Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Mulheres e terá que responder sobre esta decisão de Estatuto do Nascituro e o grave quadro de aborto inseguro", explica.

Para o movimento feminista que acompanha de perto o surgimento de ao menos 30 proposições que afetam os direitos das mulheres no Brasil desde 2006, o PL votado esta semana não causa surpresa. O que preocupa são os rumos da democracia no país em pleno exercício do governo que se diz progressista. "A pergunta que fazemos é: O que o governo brasileiro está fazendo para que não avancem este tipo de propostas? Sabemos que os direitos das mulheres são trocados por votos em projetos prioritários para o governo", acusa. E complementa: "Estamos perdendo princípios republicanos, democráticos e de laicidade no estado brasileiro. Se não acontecer nada diante desta ameaça dos setores fundamentalistas, vamos nos tornar uma República Confessional".


Fonte: Jornal Sul 21





 
 
 

 

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